Em artigo, Pedro Rodrigues reflete sobre a história do ex-presidente FHC

Por Br Hoje
18 de junho de 2025

O jornalista e advogado, Pedro Rodrigues, em um artigo publicado no portal Br Hoje, refletiu sobre a história do ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso. Para o mesmo, a grandiosidade do ex-presidente que governou o Brasil em dois mandatos, merece ser mais reconhecida em meio a um país dividido por ideologias.

Confira o artigo a baixo:

FHC, o estadista injustiçado completa 94 anos

 Na última virada de século não houve outro estadista brasileiro que reuniu mais virtude e fortuna no conceito de Nicolau Maquiavel que Fernando Henrique Cardoso. Entendeu que para o sucesso na política era inevitável estar de olhos bem abertos para as possibilidades do futuro, enxergar muito mais a frente e se antecipar ao momento presente para agir melhor no aqui e no agora.

Sociólogo, cientista político, no fim dos anos 50 flertou com o Marxismo Uspiano influenciando por Florestan Fernandes e Antônio Cândido, apesar de estes o desaconselharem a participar de maneira mais efetiva da vida política dos grêmios estudantis por acreditar que aquilo atrapalharia o rigor de suas pesquisas. Nesse período é eleito para o Conselho Universitário da USP, tendo como suplente Antônio Delfim Netto. Permanece na função até sair do país em 1964, com a ditadura militar, enquanto Delfim se tornaria bem-sucedido ministro da Fazenda do regime que ajudaria a desmantelar anos mais tarde no movimento “Tancredo Já”, junto a nomes como Mário Covas, Franco Montoro, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Dante de Oliveira e Lula, embora o PT tenha expulsado deputados do partido que votaram em Tancredo no Colégio Eleitoral.

Por FHC, descobrimos os pensadores que inventaram o Brasil: Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Paulo Prado, Gylberto Freire, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Raymundo Faoro, Antonio Cândido e Florestan Ferdandes. Por certo, em menor ou maior medida, são estes os que mais influenciaram o sociólogo e futuro presidente.

Viveu exilado no Chile e França, onde lecionou, fundou o CEBRAP para discutir a dependência da América Latina e do Brasil aos grandes centros, já despertado para a visão globalista que colocaria em prática nos anos de presidência e ao regressar ao Brasil é aposentado compulsoriamente da USP em 69. Fruto do destino mais que do acaso, sua carreira política nasce ao ser eleito suplente de senador de Franco Montoro e investido no mandato com a eleição de Montoro para o governo de São Paulo. Seu ocaso na política foi batizado na derrota de uma eleição dada como certa à prefeitura de São Paulo para o ex-presidente Jânio Quadros. Com a ascensão de Itamar Franco à Presidência da República, após a resistente renúncia de Fernando Collor de Mello ameaçado por um impeachment, FHC é escalado para o ministério das Relações Exteriores e na sequência Ministro da Fazenda do Brasil, onde arquiteta e planeja o Plano Real e a URV que forjaria a moeda Real. Não sem a ajuda de um time escolhido a dedo e composto por Pedro Malan, Gustavo Franco, Pérsio Arida, André Lara Resende e Edmar Bacha.

Essa capacidade de somar competências encontra ensinamento em suas “Cartas a um jovem político”: “O problema não está na soma de coisas que você sabe ou não sabe, e sim no seu preparo para trabalhar de forma estratégica em posições de responsabilidade”. Ao debelar o dragão da inflação (que acumulava 4.922% em junho de 94 e regredira a 22% em 95) entregou o maior período de estabilidade econômica ao brasileiro no que traduziu seu maior poder de compra durante 20 anos.

Evidente que por tanto sobram-lhe críticas, mas permanece o único dos 8 presidentes desde a redemocratização que não sofreu denúncia, condenação, impeachment ou mesmo prisão escapando da “maldição da República”. Seus críticos mais contumazes apontam estabilização superficial da economia, privatizações em massa e a preços irrisórios, “conivência” com o sistema financeiro internacional, poucos investimentos em reindustrialização ou infraestrutura de base, mudança das regras do jogo para em benefício próprio aprovar sua reeleição e flertar com o chavismo venezuelano ou a dinastia castrista cubana e ignorar o crescimento do Foro de São Paulo. No campo social, o avanço das pautas como o aborto, ideologia de gênero e secularização do ensino público durante o seu governo também foram criticadas.

No entanto, é notável o flagrante contraditório da falta de sustentação argumentativa quanto acusar FHC de pragmático fisiologista que permitiu o loteamento de cargos em nome da governabilidade. Se fosse isso não teria enfrentado a crise fiscal dos estados e dissolvido os bancos estaduais insolventes, à revelia do que os aliados de coalização reivindicavam a favor das velhas práticas. O governante que resolve privatizar estatais não pode ser acusado de dar fôlego justamente a práticas como clientelismo, coronelismo e nepotismo. É o mesmo que não reconhecer que a privatização das telecomunicações foi a decisão mais acertada de um sopro neoliberal por estes trópicos. Para por fim no assistencialismo tupiniquim resolveu pela extinção da Legião Brasileira de Assistência, braço populista que competia à primeira-dama, mas não à Ruth Cardoso.

Fernando Henrique Cardoso se debruçou ao resgate do Brasil de uma condição periférica dialogando com mundo fluentemente em várias línguas. Sofreu revezes de crises dos mercados externos da Ásia (1997) e da Rússia (1998). Errou em preparar o terreno para o lulopetismo invés de defender com mais convicção os nomes de José Serra ou Paulo Renato Sousa para a sua sucessão. A ambição hegemônica do PT, por sua vez, nunca perdoou FHC pelas duas vitórias acachapantes, seguidas e em primeiro turno contra Lula da Silva em 1994 e em 1998. Ao chegar no poder o PT monopolizou o discurso moral, popular e ideológico estigmatizando FHC e o seu partido, PSDB, numa espécie de “direita envergonhada”, quando somente em 2014 Aécio Neves viria a defender o seu legado.

E quais são os legados de Fernando Henrique Cardoso para o Brasil? Universalização do Ensino e da Saúde; revolução de políticas públicas que originaram o Comunidade Solidária, Auxílio Gás, Bolsa Escola, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, Cartão Alimentação, que a seguir seriam unificados no Bolsa Família; o Cadastro Único, os medicamentos genéricos, o acesso universal à telefonia, criação da Lei de Responsabilidade Fiscal, das agências reguladoras, fortalecimento e independência ao Banco Central.

Enfrentou turbulências incontáveis no fim do governo, mas a principal foi a crise da energia que encarou com destemor. Sofreu com narrativas ácidas e pedidos de impeachment do mesmo partido que jurou combater tudo o que hoje pratica da forma mais vil e escancarada. A corrupção epidêmica ruindo as instituições do Estado brasileiro e a perseguição política aos adversários são práticas rotineiras.

No fim, o PSDB através do seu maior expoente perdeu o passo da história porque não soube dialogar e transmitir sua mensagem social-democrata pouco acessível ao coração dos brasileiros e encara o seu desaparecimento do radar político após FHC ter declarado voto em Lula em 2022.

Mas o que é, não apaga o que foi. FHC aos 94 anos, é o improvável presidente do Brasil, foi o mais acertado presidente para os brasileiros nos tempos de hiperinflação e instabilidade econômica. A história lhe fará a devida justiça. Sem narrativas, sem ideologias, sem preferências partidárias. Assim como merece um estadista.

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